Chamava a mãe, do outro lado da
porta. Na parte trancada à chave, duas voltas, estava Bob. Em silêncio total,
cortinas fechadas, deitado na cama, rosto afundado no travesseiro.
- Bob, meu filho. Abre essa
porta! – exige a matriarca. O tom - de reconfortante a impaciente - iria
mudando, na medida em que não fazia efeito. Começou exigente, passou a delicado
pedido, até que terminou com a mulher quase implorando.
E o Bob nada.
- Ela não merece, Bob. Você tem
uma vida inteira pela frente, tantos amores. E fica aí, perdendo seu fim de
semana inteiro.
De fato. Permaneceu trancado no
sábado e no domingo. Não saiu para banho, nem refeição que fosse. Claro, havia
sempre um saco de biscoito de polvilho escondido no armário. Para emergências e
porque tinha preguiça de ir à cozinha de madrugada. A mãe sabia disso, claro.
Ela o conhecia melhor que ninguém. Melhor que ele mesmo.
- Por favor, meu filho! Vem ao
menos lanchar. Biscoito de polvilho não dá sangue a ninguém.
Bob pensou que talvez já tivesse
chorado tempo bastante. Ouviu “Choro Bandido”, do Chico Buarque e do Edu Lobo,
umas 150 vezes. Era a música que ele considerava tema para o romance que vivia.
150 vezes. Mais alguns minutos exposto ao laser, o CD iria ser cortado ao meio.
Era das antigas, curtia tecnologias e outras coisas ultrapassadas. Como o amor
incondicional. Não conseguia parar de ouvir, simplesmente. Chico dizia: “Mesmo
que os cantores sejam falsos como eu/Serão bonitas, não importa/São bonitas as
canções/Mesmo sendo falsos os poetas/Os seus versos serão bons”
E Bob entendia cada palavra como
uma facada em seu peito. Não adiantava ser gentil com ela, se mostrar
disponível e nem... fazer poesia. Rá. Esse é o ponto. Algumas mulheres são,
simplesmente, imunes a poemas. E ele era mestre em encontrá-las. Seus versos
nunca fizeram sucesso com nenhuma.
- “Mesmo porque/Estou falando
grego/Com sua imaginação”
Bob apenas acenava que sim com a
cabeça.
- Não aguento mais ouvir esse
maldito Chico Buarque! – resiste a mãe, testa apoiada na porta - Pelo menos
muda o disco!
Considerou essa possibilidade.
Por alguns segundos, após os últimos acordes. O player estava programado para loopar a faixa.
- Meu filho. Ninguém vale esse
martírio todo. Vocês nem namoraram.
Tecnicamente, não. Oficialmente,
o apaixonado era ele. Mas tanta dedicação, tantas horas de sobrevoo em torno
dela. Ora. Isto não é um compromisso? Ou quase. Ao menos de um. Não dava o
direito a ela de preferir a companhia de outro. Até onde Bob sabia, um
não-poeta convicto, que só pensava em brincar com ela.
- Bob. Eu tenho certeza que
amanhã vocês vão se encontrar e tudo vai ficar bem. Ela gosta de você. Mas não
tá ainda querendo namorar sério, meu filho!
Bob respirou fundo. Coçou a
nádega direita sob o pijama surrado. Levantou da cama. Foi até o equipamento de
som e apertou a tecla stop, acionando um sorriso instantâneo no rosto da mãe.
Mexeu em alguns papéis que estavam na escrivaninha. Fez uma careta. Eram os
textos que escreveu a mão naqueles dois dias de confinamento. Juntou tudo e
jogou fora. Não havia nada que valesse a pena guardar. Talvez nem ela merecesse
ter seu nome guardado em qualquer parte que fosse da memória.
A porta do quarto abriu às 17h45.
- O jogo tá acabando – disse a
mãe, após um longo beijo na testa, com direito a abraço - Vai que seu pai tá na
sala. Tá lá. Desmaiado, de tanta cerveja o dia todo. Tem pão e presunto na
geladeira. Deixa eu arrumar esta bagunça.
Bob tentou sair de mansinho. Mas
foi seguro pelos ombros e advertido, mais uma vez.
- Não ouse! Entendeu bem? Não
ouse! Não seja um fraco como seu pai. Não deixe nenhuma mulher tomar conta da
sua vida, Bob. Não faça isso com você.
Bob fez que sim com a cabeça,
mais para que a mãe tomasse seu rumo, quarto murrinhento adentro. Respirou
fundo novamente e foi até a sala. O pai babava na poltrona encardida, sem dar
atenção ao clássico do fim de semana na TV. Bob estava sem energia para nada,
mas conferiu o placar. O time dele estava vencendo, e bem.
- Sorte no jogo, azar... - pensou, sem completar. Iria lanchar e depois cumprir com as obrigações. O "paracasa" de história estava atrasado. Tinha ainda que pintar o Tocantins no mapa com giz de cera, pra aula de Geografia.
- Sorte no jogo, azar... - pensou, sem completar. Iria lanchar e depois cumprir com as obrigações. O "paracasa" de história estava atrasado. Tinha ainda que pintar o Tocantins no mapa com giz de cera, pra aula de Geografia.
- Odeio a segunda série.. –
lamentou, do alto de seus sete anos de idade e da cadeira, tentando apanhar os
ingredientes para o sanduba.
por Bob LeMont