14/08/2018

É O FIM




Quatro pessoas!

Não...

Três pessoas.

Reunidas em uma sala de estar, não muito ampla. Entreolham-se, demonstrando quão estranhos são uns aos outros. 

Subitamente, um sujeito entra correndo, vindo sabe-se lá de onde, com uma placa na mão. Ele grita o que está escrito ali:

- O fim está próximo! O fim está próximo! O fim está próximo!

E da mesma forma que surge, some.  Os três ficam meio que desconcertados.

- Que - cof-cof - pôrra foi aquela?
- De onde vieram VOCÊS? - Atchim! - Eu até desconfio, "sahm"... - que é "sabe?" em "tenhocertezês"...

Silêncio constrangedor.

- Bom, VOCÊ que perguntou primeiro, né, sabe-tudo? Responde, aí! Cof-cof!!
- Responde VOCÊ, ora! - Atchim! - Eu sei...
- Cof cof - então diz!
- Não vou falar... - Atchim!!! - Dá licença?! 

Silêncio constrangedor 2.


- Pessoal, pessoal. Calma. Eu tenho a resposta!

A pessoa que tosse e a que espirra se voltam ao mesmo tempo para o terceiro elemento na sala, até então em silêncio.

- Tranquilo, hein? - tentando acalmar para o que vem - Eu sou o autor deste texto.

Silêncio constrangedor 3.

- Coooooooof... tá de brincadeira?! Que texto?!
- Este, em que estamos dialogando.
- Ah, ah, ah... atchiiiiiimmmmm!!!!!!
- Quer ver? Parou a tosse...

Pausa
- Olha, eu não estou para brin... - surpresa - minha tosse! Passou!
- Você não espirra mais, ok?

Pausa. Respira fundo pelo nariz.
- Nossa! Até a coriza sumiu. Mas eu sei o porquê... deixa quieto...
- Não falei?
- Fala sério, oh engraçadão... qual é a tua?
- Bom. Tecnicamente, sou seu Deus, todo poderoso... eu criei vocês...pelo menos, aqui...

Risos nervosos.

- Verdade. Eu inventei alguns maneirismos porque vocês só existem no texto e se manifestam por palavras. Na verdade, eu fiz assim porque me deu vontade...

Menos risos.

- Perceberam que nenhum de vocês sabe se é homem ou mulher nessa história? Ah! Tirando o camaradinha que entra e sai correndo toda hora...

Zero risos.
- Então tá, espertão!!! Para que você nos criou? Sobre o que é essa pôrra ?
- Vocês são metáforas para um insight sobre a brevidade da vida e como perdemos tempo com discussões infindáveis entre gente que finge que sabe tudo e os intolerantes estúpidos...
- Rá.. eu já tinha sacado.. só não quis dizer...
-Mas é só isso? Que merda!!!!! Tantos temas importantes pra você discorrer e cria personagens pra falar de uma “bobaginha”? Todo mundo sabe que a vida é breve! Não seja medíocre.

O cara com o cartaz entra correndo na sala de novo, vindo do nada.

- O fim está próximo! O fim está próximo! O fim está próximo!

E some outra vez.

- Eu ia dizer que a... a... a... ATCHIIIM!!!
- Interrompi com o espirro só pra mostrar aos leitores quem está falando.
- Shfffffff ... eu ia dizer que eu sabia, tá...
- Fala, cara! Que saco! Por que Você nos criou?
- Ah... vou falar, sabe... eu acho que porque estamos chatos demais, brigando sobre qualquer coisa... 
- Sabia!!!
- ... e também porque tá cheio de "sabe tudo" por aí... criticando por criticar...
- Que “Deus” vaidoso. Não pode ser criticado, né?
- Eu sei a resposta, massss... não vou dizer...
- E qual o meu sexo?
- Tanto faz. Não sei nem quem perguntou...
- Rá... já vi que é de esquerda... tá fazendo discursozinho aí... sobre gênero...
- Oh criatura intolerante. Sua tosse vem de tudo de ruim que tá dentro de você e volta lhe engasgando, beleza?
- Cof-cof
- E meu espirro? Eu pergunto mas eu sei, viu...
- Você tem essa doença das aparências, que precisa mostrar que sabe de tudo, que tem resposta pra tudo.. e não tem!!! Olha só!
- Nossa... por que não caímos nas mãos de um Rubem Braga, de um Paulo Mendes Campos, de um Luis Fernando Veríssimo, hein?.. que escritor de m...
- ... na verdade eu me inspirei num texto do Veríssimo de 1980...
- Rá!!! Cof-cof... falou, plagiador...
- É uma homenagem.
- Sei...
- Tempo... legal, papito... eu posso sentir o tempo indo embora agora...

Respiro fundo. É hora de algo mais sentimental.
- Vejam bem! No fim, é necessário algo mais. Não algo vindo de um "Deus" incontestável, nem de um escritor ou pensador ou qualquer um que tente desesperadamente dar sentido a uma reflexão. Não existe nada pronto. Construam. Respeitem o tempo que têm. Tudo é breve. Tudo passa. Pra quê? Vão viver! Construam sua própria história. Não gastem tempo, nem ódio, nem pensamentos, nem palavras demais. 

Pausa.
- No caso, letrinhas geradas por um teclado... “Deus”... rá... vai arder no inferno...

Nova pausa.
- ... que seja! A vida acontece de verdade em algum lugar e não trancada entre palavras, devaneios vazios, suposições sem base, dúvidas indiscriminadas, intolerância irrascível... vá tirar essas coisas de você... vá viver sua própria vida, enquanto houver tempo!

Suspiros.
- E onde é esse lugar, sabichão?
- Falo é nada, viu... hum... Deus...

Entra novamente em cena o cara com o cartaz na mão. Cof-Cof  dá uma gravata nele, antes que diga qualquer coisa. Atchim  ajuda. E jura conhecer todas as respostas. Até que todos dão uma boa olhada no sujeito. Descobrem que o cara com o cartaz dizendo que o fim está próximo sou eu mesmo, o autor deste texto.

- Já sei! Você é mágico. Já entendi o truque. Péssimo, por sinal...
- Nem vem que eu cantei a pedra muuuuito antes no grupo do whatsapp, tá?

Chega.
-  Bem! Acabou, gente.
- Acabou o quê? A inspiração? Ah, nem... Carpinejar???? Ajuda! Me dá esse notebook que eu mesmo termino isso aqui...
- Não. Por favor, espera. Eu fingi o tempo todo! Eu não sei tudo como eu disse que sabia! Do que estamos falando, mesmo? Qual o sentido? No fim, tudo não dá certo? Qual o caminho pra evitar esse final prematuro?
- Desculpem.

É mesmo o fim.



por Bob LeMont

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