Não se sente bem. Talvez tenha a ver com aquelas várias
garrafinhas de Catuabas Selvagens, ingeridas nas últimas horas.
-
Malditas Catuabas Selvagens! - pensa.
Sala escura, esfumaçada.
Foco de luz de lâmpada no rosto do sujeito com olhos de Capitu. A mulher não para de dar baforadas no
cigarrete mentolado, enquanto olha bem na fuça do depoente. Genésio até podia sentir aquele olhar desconfiado, fixo
nele. Inclusive, enquanto tomava água para hidratar as cordas vocais. Boca seca. Pelo tempo, de tanto falar.
E segue o depoimento.
- O senhor então... confirma, né?..
- Confirmo! Confirmo, sim, senhora! – responde, com convicção, mas ofegante. Está nervoso.
- Deixa entender... eram dois...
- Dois. Enormes!
- Não, - para, lê o depoimento transcrito - o senhor disse lá... no comecinho... que eles eram pequenos...
- ...e que cresceram na medida em que sentiram que eu não tinha medo
deles... rá... tá querendo me pegar em contradição, né?
A mulher olha mais uma vez nos olhos dele, demonstrando extrema
frieza. Deu nova tragada funda no mentolado e prosseguiu.
- Como era a... nave... mesmo?
- Grande, reluzente! Emitia uma
luz linda, sabe? Um tom meio azulado.
- E seu carro... né?... travou...
- Travou, sim, senhora! Mas travou de um jeito muito estranho. A parte
elétrica toda parou...
- ...sei...
- ...e eu vi uma luz! Uma luz,
sabe??? Mas eu achei que era carro que vinha atrás e já ia até pedir ajuda.
- Aquela hora da noite, né? Perigooooso...
- ...perigooooso! Mas, no que eu saí do carro, eu vi!
- Viu o quê?
- A nave, uai. Falei já, uai!
- Ok! Ok! Só confirmando...
- A nave enorme, paradona ali... na minha frente...
- Aí... desceu a dupla?
- Foi, sim, senhora...
- Duas figuras... assim... – tenta mensurar alturas com gestuais...
mão mais em cima, depois mais embaixo..
- Falei pra senhora: eram pequeninos depois cresceram. Coisa de alien.
- E como você sabia que eram aliens?
- Porra, duas figuras descendo duma nave espacial, com aquelas caras
verdes, os olhos do tamanho de bolas de
sinuca... seriam o quê? – responde, demonstrando impaciência.
- Mantém a calma que o negócio não tá bom pro seu lado não, senhor.
- Desculpe! Desculpe, senhora! Me excedi.
Outra baforada.
- Desceram da... nave... e...
- Desceram, começaram a me estudar. Eu não senti medo não, sabe? Dois
tampinhas daqueles. Mas, de repente, os dois deram uma crescida! Aí eu
assustei...
- Assustou...
- Assustei, sim, senhora... e pedi pra não me matar! Falei “pelamordedeus, que eu tenho
mulher e dois filhos pra criar...”
- Entendi...
Malditas Catuabas Selvagens!
Malditas Catuabas Selvagens!
- E pra não fazer nada comigo! – e conta, quase sussurrando - Porque
eu sei que eles gostam de fazer umas coisas aí com os seres humanos e tal...
- O que é que eles gostam? – quer saber, também quase sussurrando.
- Ah, eu vi no canal Discovery lá, uai. – explica, já em tom normal -
Eles enfiam uns troços no corpo da gente. Pesquisa né? Mas eu falei que “aqui
não!” Fui bem claro com eles, sabe?
- Certo.
- Aí eles me deram um líquido, dizendo que era pra eu me acalmar, que
eles não iam fazer nada comigo e tal...
- ... e depois disso, o senhor não lembra mais de nada... o senhor
declarou antes...
- Isso! Nadica de nada. Eu apaguei. E só acordei hoje de manhã.
- Desse jeito aí....
- É...
- Com essa cara de ressaca?
- É.
- ...
- Foram as drogas espaciais que eles me deram. Muito fortes. E eu já
olhei, tá? Chequei se tinham enfiado alguma coisa em mim e tal...
- Felizmente, né?, não...
- É... felizmente!, tudo certo. Foi só susto mesmo.
- O senhor então... foi abduzido!
- Fui, sim, senhora!
- É essa a história?
- É, sim, senhora!
Jogando a guimba de cigarro na testa do depoente, acendendo a luz da
sala pra olhar bem na cara daquele bêbado sem vergonha.
- Na semana do carnaval, seu Genésio?!
- Oh, meu amor...
- ...“meu amor“é o cacete!.. ainda é “Senhora minha esposa dona
Mafalda” pra você, caro senhor da safadeza!!! Cinco dias sumido e me vem com
essa?
Os dois se calam por instantes. Respiram, ofegantes. A Mafalda por causa do
cigarro, o Genésio por conta pressão mesmo, daquele tempão todo tentando convencê-la da história. Mesmo que - talvez - ele não estivesse sendo 100% certo sobre ela...
Pensando bem...
Os dois aliens poderiiiiiiiiiiiam ser, na verdade, dois gringos imensos de
altos... que desceram, tipo, de um trio eléééééééééétrico... tavam chapados, desceram pra vomitar.
E que eles poderiam – poderiam! - ter
visto, sim, aquele cara... tão bêbado
quanto eles... com problemas no carro... se aproximando. E se levantaram –
estavam ajoelhados, botando os bofes pra fora - pra dar uma moral.
As fantasias que usavam talvez – apenas talvez - fossem de ETs mesmo. E
- quem sabe? - a Catuaba Selvagem que ele havia tomado antes (a ponto de não
conseguir dar partida no carro), tivesse ajudado a dar um realismo, assim, ao visual dos caras?
E pode ser – pode ser! - que houvesse ainda mais Catuabas Selvagens com os
gringos.
- Malditas Catuabas Selvagens!- não para de pensar...
- Malditas Catuabas Selvagens!- não para de pensar...
Daí que pode ter rolado aquela parceria, aquela empatia irresistível,
daquelas que só mesmo no carnaval. E no fim, todos poderiam, sim... ter subido
a bordo do trio elétrico das luzes azuladas... e eis que todos sumiram - e tal
e coisa - folia adentro.
Mas quem acreditaria numa história dessas?
Onze da manhã, ele mal dormira a semana toda. Aquela situação tinha
que acabar. Genésio olhou bem fundo nos olhos da esposa. E com a mesma veemência de antes, que só mesmo os maridos encurralados conseguem manter, não teve dúvidas.
- Pô, Mafaldinha! Se fosse nos Estado Unidos ninguém questionava,
né...
- ...
- ... e ainda virava filme! É claro que existe vida em outros
planetas! E é claro que eles viriam ao Brasil ver o Carnaval...
- ...
- ...e tomariam muita catuaba sel...
- Genésio...
- ..vagem.. geladinha... gostosinha...
- Genésio!
- ...
- Vai deitar, Genésio. Amanhã a gente conversa.
A Mafalda só deixou a DR pra mais tarde porque também estava morta de cansaço. Afinal, havia chegado da farra um
pouquinho antes do “abduzido”. No “disco voador” das 9h. Só não lembrava de
absolutamente nada.
- Malditas Catuabas Selvagens!
por Bob LeMont