Uma história sem pé nem cabeça, um texto chulé pra caramba, densidade zero. Mas, pô... eu amo Grease! Menos pela sua dramaturgia - praticamente ausente - mais pela trilha sonora. Certamente, um daqueles filmes que leva a gente pela orelhas.
Barry Gibb, o bonitão dos Bee Gees, vivia mesmo uma fase mágica. Ele escreveu e produziu a maioria das canções, algo que já havia dado certo antes com os Embalos de Sábado à Noite. Gibb soube traduzir musicalmente, como ninguém, todos os desejos de uma geração. Também é inegável a influência daquela dupla de protagonistas sobre a audiência: John Travolta e Olivia Newton-John formavam o casal mais do que perfeito naquele final dos anos 1970. Eu, que secretamente amava Olivia, só permitia que Travolta lhe cortejasse. Eles eram incríveis juntos.
E Grease era o grande momento deles no cinema.
Mas lá pela milésima exibição, entre um ou dois suspiros por Olivia, percebi um personagem no qual eu nunca havia reparado antes. Não tinha fala alguma, não namorava ninguém, mas tinha um carisma absurdo. E ele começou a me chamar a atenção. Poderia ser mais um figurante, entre dezenas que participam de musicais nas telas. Mas a performance dele em We Go Together, simplesmente, me hipnotizou. Duvido - se você, como eu, é fã de Grease - que nunca tenha visto ele. É o sujeito de camisa verde, que inventa uma dancinha, obviamente inspirado em Groucho Marx, nesse grand finale do longa.
Depois que eu percebi esse cara, nunca mais tirei os olhos dele.
Eu sou fã do Groucho, talvez isso tenha me despertado. Mas havia algo a mais. Uma energia qualquer, um brilho que fazia o cara se destacar numa multidão de extras, e que o tornava parte importante daquilo tudo. Ao menos pra mim. Aí virou meio que uma obsessãozinha: comecei a procura-lo em outras cenas. Fácil.
Lá estava ele também da festa no colégio, aquela que tem o concurso de dança. Aliás, onde houvesse um rebolado coletivo, ele estava lá no meio. Fazendo a parte de tudo, com a mesma boa vibe que me cativou em We Go Together. Divago. Ele parecia saber que tinha poucos minutos para brilhar. Sem falas, sem protagonismo, sequer coadjuvância. Era um extra, caramba. Estava lá pra ajudar a encher a tela. Somente executando o que sabia fazer de melhor: dançar.
E ele fez.
Por incrível que pareça, não fui somente eu quem reparou. Uma pesquisa na internet me revelou a admiração que esse personagem anônimo despertava em inúmeros fãs do filme. A busca pelo dançarino da camisa verde retornou uma dezena de artigos. Todos com observações muito semelhantes às minhas. Citavam sua energia, vigor e entrega, que fizeram com que ele saltasse aos olhos do público e ganhasse seus minutos de fama ante celebridades planetárias. O figurante desconhecido já não era mais assim tão figurante. Menos ainda desconhecido. Ele tinha nome.
Daniel Levins.
O artista mereceu citação no New York Times em 2015. O jornal dizia que "Daniel Levins era um dançarino às vezes conhecido profissionalmente como Daniel Levans, que ganhou notoriedade na adolescência na aclamada American Ballet Company de Eliot Feld e como dançarino principal no American Ballet Theatre na década de 1970."
Ainda graças ao NYT, fico sabendo que ele já havia marcado o público em outro papel pequeno, um ano antes de Grease. Era The Turning Point, com Anne Bancroft e Shirley MacLaine. Esse filme também apresentou Mikhail Baryshnikov ao público em geral. Um longa sobre dança, com dançarinos profissionais fazendo papéis secundários. Nesse ele tinha até fala. E havia na reportagem algo a mais sobre o sujeito. Aliás, era o mote da matéria.
Lamentavelmente, Levins havia morrido.
Segundo Eugene Gabriel-Thomas Walsh, marido dele, Daniel foi vítima de uma infecção pulmonar naquele 2015. Tinha 61 anos.
... enfim...
Sim, Daniel Levins estava morto. Mas sua performance no musical de Travolta e Olivia, definitivamente, não havia passado despercebida. Sobre ela, a colunista descreveu: "Na versão cinematográfica de 1978 do musical da Broadway, o virtuosismo energético de Levins como o garoto de verde no final da dança provavelmente roubou o show de John Travolta e de outras estrelas do filme."
Eu não tava maluco.
O cara realmente tinha algo a mais. Pra mim, pra tal da Anna, e pra outros tantos aí que eu nem conheço. Teve a oportunidade da vida de dar seu show. E deu. Sei que hoje eu assisto a Grease pelo John Travolta, pela Olivia Newton- John, pela trilha sonora inesquecível e!.. por Daniel Levins.
É, o figurante desconhecido.
Um pôrra dum extra.
Mas não um extra qualquer.
Mesmo sem destaque nos créditos, sem uma ceninha solo sequer, ele teve seu breve momento eternizado pelo cinema. Fez o que sabia fazer, provavelmente com a paixão de sempre. Ou estava num dia inspirado - vai saber? Ele poderia ter passado batido, tantos passam. Mas Daniel Levins não passou.
Vida longa aos que não precisam de holofotes para brilhar.
Robson Leite
Nenhum comentário:
Postar um comentário