Mas, no fundo, nada muda.
O que veremos ainda por muitos anos é aquela seleção natural, que visa agradar gregos e baianos, mantendo bilheterias funcionando. Lógico que, em meio a isso, existem iniciativas dignas de aplauso. Excelentes trabalhos são expostos, alguns até premiados, mas o importante para seus executivos sempre será manter as engrenagens que movem os bilhões de dólares dessa indústria sempre funcionando. É preciso encarar os fatos: o grande público não viu nem vai ver sequer metade dos indicados ao dito "prêmio máximo".
Mesmo que representem - e tremendamente - uma necessidade de transformação.
A exemplo das últimas, a edição do Oscar 2019 será novamente pautada por manifestos de ordem social e política. Desta vez serão quatro filmes com atores e atrizes negros como protagonistas (Infiltrado na Klan, Green Book, Se a Rua Baile Falasse e Pantera Negra), uma óbvia resposta a manifestos que exigiam uma Hollywood mais atenta a elencos com essas características. Um reflexo das conquistas, da percepção da sociedade de que é preciso fazer justiça. Mas, lá no fundinho, a indústria só topa porque sabe. Há público.
E onde houver público, a indústria vai atrás.
Glen Close é a protagonista de A Esposa, um filme que bate de frente com outra reivindicação pública: mais respeito para com as mulheres. Depois das denúncias de assédio moral e sexual nos bastidores, de queixas sobre a pouco representatividade delas na direção e no roteiro, o cinema - ao menos - resolveu abrir caminho para grandes papéis femininos. Não é assim apenas por mérito - e como tem mérito - do ativismo: rende ingressos, as mulheres querem "consumir" mulheres, no sentido mercadológico.
Ou no sentido que você achar melhor e que não ofenda de forma alguma.
A Favorita é outra produção que favorece grandes interpretações femininas e que tem mulheres como protagonistas. Fortes, empoderadas, que podem vencer sozinhas sem homem algum - embora não estejam livres das mazelas do amor. Como em Nasce uma Estrela, que traz Lady Gaga mostrado que é boa de palco e de cena. Ela já é símbolo desse movimento, que ganha reforço na tela grande. Necessário? Sempre. A pergunta é outra.
Oportuno ou oportunista?
Roma é, sem dúvida, um belo filme. Lindo, sensível, artística e tecnicamente impecável. Mas ganharia tanta evidência não fosse o diretor um mexicano e a mídia não estivesse em pé de guerra com um cara topetudo na Casa Branca que quer colocar mais muros na fronteira com o México? E Vice - não fosse tão revelador sobre as facetas desse poder em Washington, tão contestado - causaria tanto impacto? Os canalhas merecem sempre ser expostos e maltratados, embora alguns sejam até afagados, como em Poderia me Perdoar? que tem boa crítica, mas quase sem público. É outro exemplo do que vai rolar nesta edição do Oscar.
O público médio terá poucos filmes pelos quais torcer.
O Oscar não tem representado o gosto do grande público. A ver pelos números. Nas salas de cinemas ou em casa no streaming, as maiores audiências ainda são as comédias e os filmes de ação ou a mistura disso, que são as produções com super-heróis ou personagens com habilidades especiais e seus subgêneros. Estes são meros coadjuvantes habituais na festa, mas no mercado batem recordes atrás de recordes de público. Uma pena que isso aconteça. Por que Hollywood não consegue atrair mais público para tantas alternativas bacanas, algumas premiadas outras apenas badaladas, frutos óbvios de engajamentos sobre temas fundamentais?
Onde está o erro?
Apesar dos alívios que a arte pode trazer, parece haver uma predileção da plateia pelo violento, pelo movimentado, quase que um grande videogame que preza apenas pela estética e a tecnologia. Não tem tanto a ver com desenvolvimento ou subdesenvolvimento - o crescimento do público para essas produções hollywoodianas acontece em toda parte, mesmo na Europa. Por que o filmão interessa a tão poucos em relação aos aficionados por blockbusters bilionários lotados de tiro, porrada e bomba? Estaremos perdendo nosso lado mais sensível, que representa tanto nossa humanidade e nos difere das bestas?
Ou isso é que é ser besta, metido, esnobe?
O Brasil está pastando nesse cenário. A produção é cada vez maior, mas o interesse do público continua sendo pelas comédias românticas protagonizadas pelo Paulo Gustavo. O surto por temas evangélicos é totalmente fabricado: as duas maiores bilheterias da história do cinema nacional foram garantidas por ingressos comprados para cadeiras vazias (foto acima). E é só isso que conta? Bilheteria? No bojo disso, audiências querem mais e mais cinema. Mas o mesmo cinema. O industrializado. Não é de hoje, mas parece que piorou. Parece que falta gosto pela reflexão na plateia, falta apreço por conteúdo mais complexo.
O investimento em espaços culturais também diminuiu, muitos fecharam ao longo dos anos.
Ou é só preguiça mesmo? Ou incompetência de quem faz?
É a escola que tá falhando? É o Estado? É a mídia? São os cineastas? Tudo está veloz demais, tanto na vida como na arte, e a sensação é de que falta parar para refletir. E não se refletir na própria imagem, não sem parar no que nos distrai. Como vamos explorar emoções mais profundas se nos atemos ao elementar? Essa é uma das funções da arte. Pra que grandes atores, atrizes? Bastará o carisma?
Isso até os BBBs da vida, sem qualquer prática dramática, ou mesmo Youtubers cabeças de bagre podem ter. Mesmo eles poderão ser substituídos por avatares animados, como se faz no cinema. E não estamos todos nós sendo substituídos por similares? Arte x Entretenimento? Man x Machina?
Um dia ninguém saberá mais a diferença.
por Robson Leite
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