Acordou no horário de sempre: 6h30, despertado pelo celular. Deu um
beijinho na testa da esposa Mariângela, que permaneceu na cama. Foi lá fazer o café, como de costume.
Antes, precisava ler o jornal. Sim, era do tipo tradicional, gostava
de ler as notícias no papel. E desceu até a portaria do prédio para busca-lo.
Cumprimentou o porteiro, cordial como sempre.
- Bom dia, Alex.
- É, Seu Jorge Wagner... quem diria...
- Quem diria o quê?
- Nada, Seu Jorge Wagner...
- Eu, hein...
Dobrou o jornal, pôs debaixo do braço, e subiu pro 803. Preparou o
café. Sentou-se à mesa e foi conferir as notícias. “Qual será o escândalo do
dia?” – pensou. Conferiu a capa. Letras garrafais.
- “Exclusivo: Jorge Wagner do 803 é homossexual!”
Parou por um instante. Releu.
- Que pôrra é essa?!
Sacanagem dos colegas, claro. Gastaram grana pra reproduzir em cada
detalhe uma edição do jornal mais lido no país. Riu. “Esses caras são sacanas
demais...”
Mas o telefone começou a tocar. E não parava. Eram jornalistas de
renome tentando confirmar o que dizia a capa daquele jornal. Jorge Wagner, no começo, achou
que era a continuação da piada. Até confirmou.
- Verdade. Sou! Sou, sim! Mas ativo, tá? Sim. Comi seu pai ontem mesmo, seu filhadaputa... - disse, desligando o telefone em seguida.
E riu.
Mas era uma risada meio nervosa, sabe como? A mulher acordou no quinto telefonema.
Mas era uma risada meio nervosa, sabe como? A mulher acordou no quinto telefonema.
- Jorge Wagner, o que está acontecendo?
- Os caras do escritório... você não vai acreditar...
E deu o jornal pra mulher ler, rachando de rir. Aquela mesma qualidade de riso. Ela pegou, colocou os
óculos, folheou... resolveu ler a página três, coisa que o marido ainda não
havia feito.
- Jorge Wagner!
- O quê?
- É verdade isso?
- Mariângela! Você me conhece!
- Jorge Wagner! - exclama, de olhos arregalados, olhando por sobre o ombro do marido - Olha lá você na televisão!
Disse a mulher, apontando para a TV, sintonizada no canal de notícias.
Imagem retirada de celular ou qualquer outro meio precário. Era Jorge vestido de baiana.
- Isso foi no carnaval de 201...
- Jorge Wagner!
- Mariângela, você estava lá... ah, já sei... é pegadinha do
Mallandro! Ahahahahahah... gente... esse povo do escritório mancomunado com
você pra me sacanear! Já entendi tudo...
- Jorge Wagner! A mídia tá dizendo que você é bicha, pôrra.
- Mas eu não sou, pôrra! Você me conhece! Mais de 30 anos juntos - como que você tem dúvida, Mariângela?
Toca o interfone. Mariângela atende. Jorge só ouvindo, em silêncio.
- Jorge Wagner – o pessoal do Jornal do Dia quer subir aqui no apartamento pra
uma entrevista com você. Diz que quer “ouvir a outra parte”...
- Para, Mari...
- Jorge Wagneeeer!!! Fala com a moça...
A contragosto, pega o interfone.
A contragosto, pega o interfone.
- Alow!? Olha, no começo eu achei engraçado! Mas tá passando do
limite, já!!! Silvana? Silvana Pêra! Sil... ó... eu reconheço a sua voz, menina. É. Silvana estagiária!!! Para com
isso. Quem mandou você ligar? Foi o Parra, né? Parra filhadaputa!!!
E desliga o interfone.
E desliga o interfone.
A mulher, desesperada, entregou a ele o jornal aberto na página três.
- Lê essa pôrra!!! Lê!!!
E ele, finalmente, parou pra ler o tal jornal. Uma página inteira,
assinada por um jornalista famoso. Lead: “Jorge Wagner, do 803, tem 50 anos e
trabalha no escritório há 25. Os colegas confirmaram as denúncias sobre uma
vida dupla. O homem casado, pai de família, é, na verdade, homossexual praticante”.
A TV continuava
mostrando imagens dele. Incomodou-se com o barulho ensurdecedor de helicóptero
nas proximidades. Foi até a janela. Olhou pra fora. Olhou pra TV. Viu a si
próprio. Teve dúvida se era ele mesmo - levantou o braço pra ver se o da TV levantava também. Ih! Levatntou! Era ele mesmo, ao vivo, no noticiário das Oito. Pegou no controle remoto e
aumentou o som.
- Neste momento, o recém-revelado homossexual Jorge Wagner do 803 pode ser visto levantando o braço esquerdo na janela do
apartamento onde residem ele, a esposa e os três filhos...- diz a repórter no helicóptero.
- Alguém deve ter perguntado... "Tem um baitola aí, levanta o braço!" - analisa alguém no estúdio.
- Alguém deve ter perguntado... "Tem um baitola aí, levanta o braço!" - analisa alguém no estúdio.
Encarou Mariângela, enfurecido.
- Quanto que o Mallandro te pagou? Gente, que foi que eu fiz pra vocês aprontarem
isso comigo? Foi o Parra, né? Parra filhadaputa...
- Que Parra pôrra nenhuma, Jorge Wagner! – retrucou a mulher, aos
prantos – Jorge Wagner!!! Você é gay, Jorge Wagner?
Ele parou, olhou bem pra esposa. Olhou pro jornal. Olhou pra TV. Pegou o celular, acessou a internet.
#JW803Baitola estava no trending topics do Twitter.
Pensou por um minuto. Suspirou. Deu de ombros.
#JW803Baitola estava no trending topics do Twitter.
Pensou por um minuto. Suspirou. Deu de ombros.
- Pô... se a mídia toda tá dizendo...
***
Final alternativo.
Levantou da cama. Assim, de uma vez. Relógio marcando 6h29. E o Jorge suado. Olhou pro lado. Mariângela ainda dormindo. Olhou em volta. Suspirou aliviado. “Que pesadelo foi esse, bicho?!”,
pensou.
Sorrateiramente, levantou-se. Impediu que o celular tocasse no modo
despertador. Foi até o lavabo. Enxugou o suor do rosto, tentou conter a
respiração pesada. Olhou-se no espelho. Estava ainda pálido, com o susto. Pegou
novamente o aparelho. Procurou na memória pelo número. Clicou. “Chamar”.
- Parra?.. Olha... eu sei... eu
sei que tá cedo, pôrra!!! - xingou, sussurrando - Desculpa, eu não dei conta de esperar. Pssss! Não
grita!!! Sua esposa vai acordar, seu idiota!!! Cala essa boca, fala baixo...
Vem cá... Tipo assim... sabe? Cara... tive um pesadelo muito louco, cara...
Suspirou ainda mais profundamente, coçou os olhos. Olhou em volta, pra garantir que não houvesse mais ninguém ouvindo aquela conversa. E disse, colocando a mão próximo ao bocal do telefone. Pra abafar a voz.
- Eu acho que a gente precisa conversar sobre nós, meu amor...
Suspirou ainda mais profundamente, coçou os olhos. Olhou em volta, pra garantir que não houvesse mais ninguém ouvindo aquela conversa. E disse, colocando a mão próximo ao bocal do telefone. Pra abafar a voz.
- Eu acho que a gente precisa conversar sobre nós, meu amor...
Por Bob LeMont
Excelente, amei o texto inclusive com os dois finais muito criativos!
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