07/08/2018

A VINGANÇA DO CARA NO ESPELHO



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Devagar, abrindo o armário do quarto. Preparando os olhos. O espelho se aproxima. Aquele suplício. Encontrar ele. Como assim “ele quem?” O cara no espelho, óbvio. Meu nêmesis, meu reflexo invertido. Somos parecidos, mas diferentes. 

Ele, por exemplo, é canhoto. 

Diante do vidro bem polido, a surpresa. Vazio. Cadê ele? O cara no espelho sumiu. Será que cansou de ser feio, gorducho e careca? Será que acertou na Mega?  Ou será que me tornei um vampiro, caramba? Olhei em volta. O quarto era exatamente igual ao meu. Mesma cama por fazer, só que com aparência mais desleixada. No chão, junto com os tênis surrados, as meias sujas que ele insiste em calçar de novo. 

É um porco.

Espere. Há algo estranho sobre a cama do cara no espelho. Um pedaço de papel. Parece ser uma carta. Tem o meu nome nela, só que escrito do avesso. Olho para minha cama – lá está sua correspondente. Mas escrita corretamente. Meu nome nela. Uma mensagem? O cara no espelho teria se matado e deixado uma carta de suicídio? Meu Deus, o que foi que eu fiz? Não queria deixa-lo tão mal assim. 

Jamais imaginei que o cara no espelho tivesse sentimentos.

Me preparei para o pior. Me vem à cabeça. Ele deve ter também mulher e dois filhos. Quem iria cuidar deles? A família no espelho fora destruída por causa do meu implacável senso crítico? Gostaria de poder dizer a ele que exagero às vezes. Que tendo a ser dramático e que ele não é tão escoto assim. É que de vez em quando – sei lá - nos encontramos em horas ruins. Me arrependo. E confesso que me vem uma lágrima enquanto abro a cartinha. Está lá.

“Atrás de você, idiota!”

Maldito. Estava escondido e me atacou pelas costas. O cara no espelho não aceita o remorso alheio nem pedido de perdão. É mesmo o oposto de mim. E agora não sei mais onde ele está. Na verdade, não sei nem onde eu estou. Longe do espelho, a vida parece exatamente igual. Falta perspectiva. Talvez nem seja eu quem está escrevendo este texto. O cara no espelho, ouvi dizer, tem um estilo parecido com o me... opa!

Quando foi que eu comecei a escrever com a mão esquerda????


por Bob LeMont

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