28/06/2018

BOB NA COPA (17) - ADEUS, MANÉ!

O Mané de lá não fez a diferença necessária
SIBÉRIA, RÚSSIA - 28 JUN 2018 - Ainda impossibilitado de sair desta região um tanto quanto gelada. Primeiro porque os huskies gigantes ficam me vigiando o tempo todo, sem entender como consigo acertar tantos resultados no bolão. Acham que sou algum tipo de feiticeiro. Segundo que, na verdade, aqui é tudo tão atrasado que ainda estão batendo palma pra Copa de 1982. 

Igualzinho no Brasil.

Argentinos sendo argentinos
Bom que a gente fica pensando nessa metáfora da vida que é o futebol. A Copa do Mundo deixa isso ainda mais claro. Eu, por exemplo, sou a Argentina na vida: não ganho nada, mas faço o tipo. Os dois sofremos mais do que comemoramos e sempre estamos dançando. Eles no Tango, eu no imposto de renda. Maldade minha, claro. Foi só pra maldizer os argentinos. Certamente, superada a dificuldade inicial e com a Argentina nas oitavas, tudo pode acontecer. 

Inclusive nada.

Torcida senegalesa deu show na Rússia

Veja você o Senegal. Um país que a gente só ouve dizer.
Ouve cantar, na verdade - e por duas músicas. "Deve ser legal ser negão no Sene-sene-seneeeee-sene-senegal" - no remix. Sabe mais o que a gente sabe? Mais nada. De repente, por causa do futebol, os caras entram nas nossas vidas. Viram os Leões de Teranga, como são conhecidos naquela onda do mundo da bola de apelidar tudo que é seleção. Teranga vem do dialeto wolof, um dos mais falados por lá. Significa algo como hospitaleiro, que recebe bem as pessoas. Tem a ver com o que fizeram aos nossos corações. E isso daria outra música muito bacana.

"Gosto muito de te ver, Leãozinho de Teranga..."

E foi mesmo bom demais ver esses caras correndo, brigando em campo, com aquela alegria clássica que muitas seleções já perderam, junto com a determinação fundamental em vencer. Sabem que não lhes resta muito mais do que isso pra mostrar na competição. É interessante que esse povo, que já foi tão explorado por portugueses, holandeses e franceses, hoje tem (ao menos) uma bola para mostrar sua força interior diante de outros povos. A primeira vez deles em Copas foi em 2002. Havia muitos jogadores atuando no futebol da França - nação que escravizou os senegaleses por séculos. 

Um simbolismo à parte, né?

Em 2018, um senso maior de independência corria na veia de quem buscou levar mais gente que atuava na África. O próprio técnico Aliou Sissé (foto acima) era, além de africano, o único negro na função. E recebe o menor salário entre todos - cerca de 200 mil euros por ano. Investimento altíssimo em se tratando de Senegal, mas modesto em se tratando do mercado de treinadores da Copa. Não chega perto do salário de 3,8 milhões de euros do treinador alemão Joachim Löw e fica distante até dos 1,5 milhões de euros anuais que recebe o treinador mais bem pago de uma equipa africana. Por sinal, um argentino... 

Héctor Cúper (foto ao lado) esteve à frente do eliminado Egito.
 

O nosso Mané nunca decepcionou em campo
Os destaques do time estão com o burro na sombra. Atuam numa Europa milionária: Sadio Mané, que recentemente disputou a final da Liga dos Campeões, joga pelo Liverpool, o zagueiro Kalidou Koulibaly pelo Napoli, o atacante  Keita Baldé pelo Monaco e Sakho pelo francês Stade Rennais. Mas não negaram as origens humildes, batalharam muito e mostraram determinação em campo. Uma seleção que ainda tem um Mané pra se torcer é prato cheio pro inconsciente do fã do esporte. Mais um motivo pra se gostar dos caras.

Mas há Manés e manés.

Senegal tem um povo alegre, apesar da pobreza - já viu isso em algum outro lugar?
Os senegaleses deram de tremendos manés e pecaram. Não pela gula de querer gols e superar outras fomes históricas. Os caras caíram por causa de... má conduta! Os cartões amarelos são fator de desempate na Copa. E os manés perderam a vaga para os japoneses. Povo considerado superpolido, evoluído paca, que deu show de cidadania na Copa lá no Brasil. Foram exemplo de limpeza até pros senegaleses na Rússia - alguém viu o vídeo? Mas... por causa da postura em campo... perderam a chance de fazer história. E não há mais africanos na Copa.



Frase de efeito sobre futebol x Justiça e...
Mas o futebol não é tudo nessa vida. 

Quem sabe o Senegal resolve lutar com a mesma garra e determinação vista na Rússia por melhores condições de vida. Por um IDH melhor - é o 154º colocado, um dos piores da África. Aliás, isso vale para muitos outros países aí, né? Cheios de problemas, dão relevância demais ao futebol e esquecem do resto. "Das coisas mais importantes nessa vida, o futebol é a menos importante" - já dizia o filósofo cearense J. Carvalho. 



Faz sentido pra você?

...você, lendo o mesmo texto: seu Mané...
O futebol tem algo de mágico, sim. Serve de analgésico contra as dores da vida? Serve mesmo. No mundo da bola, por alguns instantes, pequenos se sentem gigantes. Mas é está mais do que hora de aprender a gritar mais alto para as injustiças do que para um gol, como diz aquela frase de efeito. É a metáfora máxima do futebol. Você pode jogar com raça, encantar o planeta inteiro fazendo gols, mostrando alegria e representando valores maravilhosos. Você e sua gente podem ganhar muita coisa com isso.  

Inclusive nada. 



Bob LeMont
certamente, não está nem nunca esteve na Sibéria 
obviamente, você já notou isso -
ou quer que desenhe?

Um comentário:

LINGUA

A língua, esse pedaço de carne cercado de gente por todos os lados.  A turma da biologia vai dizer que ela não passa de um processo muscular...