28/08/2018

PAI PAFÚNCIO



O velhinho de turbante vermelho, bata roxa e barba branca espanca a porta do barraco, insistente. Apesar da idade avançada aparente, é até troncudinho. Tem tatuagens no pescoço, mas as marcas na pele clara não deixam dúvida. Já passou dos 60. O cara que está com ele não parece muito feliz, não. 

Odete leva um susto com o que vê, quando finalmente atende às batidas. Nota que o coroa bombado tem um jeito meio estranho de se expressar já na saudação. Ele tem um jeito de falar bem peculiar.

- Dona Odete! Voxunxê  tá boazinha, zifia? Oia quem tá aqui... – aponta, dando em seguida um cascudo no cara. Ele parece ter levado uma surra e que está ali meio a contragosto.
 - Jorge???
- Oi...ai!!!  – já tomando um safanão – ... amor... voltei, Odete...
- Que isso, Jorge? Que aconteceu contigo? E quem é o senhor?
- Voxunxê não se alembra mais de eu? Pai Pafunxo, dona Odete. Xeu quiado!
- O quê? Como assim...
- Não falei que trazia xeu homi de volta em três dias, zifia?! Óia o xafado aqui!
- Ah sim, Pai Pafúncio! Eu lembro do senhor, distribuindo panfleto. O senhor disse que foi miliciano e tal.. que tá aposentado, né?
- ...oxê tá lembrano... miliça tá muitcho perigojo... concorrido tumém... pai véio pulô fora...
 - ...e que agora queria ajudar os outros, não é isso? Na espiritualidade e tal...
- Isso, xunxê lembrô! Pai véio faz ziponte com os além, tá sempre em cuntato. Contexe que o zinterurbano pa falá com os poder ocurtos tá caro, ziafia...
- Caro...
- Óia, óia... o paxtô cobra dízimu... o pádi recebe as oferta... pai véio precisa di cumê tumém, óia, óia...
- Entendi... 
- ...mas na zispiritualidade, zifia! Pai Pafúnxio tem muitcho contatcho no mundjo zispiritual, viu?.. muitcho zispiritu de porco por aí, zifia...
- Mas senhor é macumbeiro, né?
- ...opa! Macumbeiro não, ziafia...
- Não?!
- Pai véio é Chamã Otônomo...
- "Chamã"?
- É... pai véio foi dos milícia, né... conhexe unx cabôco bão e azuda a zispiritualidade das pexoas...
- Entendi...
- Poejemplo: pai véio diz que zitraz o amor de volta e zitá ele aqui! - diz, apontando pro Jorge, que se encolhe, achando que vai levar outro piparote.
- Mas... e esse sotaque aí, pai?
- Que xotaque?
- Esse jeito de fa... ah, esquece... olha só, Pai Pafúncio!  Lembra que eu falei que não tava interessada? Eu falei pro senhor que eu não queria esse traste de volta!
- Não interexa, zifia. São Trejentos reais. Pai falou que tragia, trouxe. Agora voxunxê paga.
- O quê??? Mas a gente não combinou nada, Pai Pafúncio!
- Óia, óia...
- Olha, diante do impasse... então deixa eu ir saindo de fininho... ai!!! – arriscou o Jorge, já levando uma cotovelada nas costelas, pra deixar de ser bobo.
- Ficaqueto aí, senão vai xê pior poxê, zifio... pai véio não xai no prejú não... oxê vai po micoonda...

Jorge gelou. Tratou de lançar um sorriso amarelo, pra seduzir a ex. Com três dentes a menos.

- Pai Pafúncio... eu não quero essa coisa de volta, não...
- Ihhh, zifia...  mas aquela xua mãeginha, xabe? Óia... ia querer que voxunxê pagaxe, viu...
- Minha mãe?
- Ixo.. voxa mãeginha.. que mora lá no Beco das Bromélia, barraco 15... que fica na cajinha dela xuzinha o dia tudim tudim...
- Nossa, mas  eu não vejo minha mãe desde hoje ced... – relembra, assustada. 

Corre ligar pra velha, que não atende telefone. Nem fixo nem celular. E ela nem é disso.

 – Pai Pafúncio? Como o senhor sabia que a mamãe tinha sumi... - nem completou a frase.. meio que caiu na real...
-  ...pois é... pois é, zifia... óia - mais xem real e pai véio traz ela de vorta tumém... e pa fagê a janta ainda...



por Bob LeMont

Um comentário:

LINGUA

A língua, esse pedaço de carne cercado de gente por todos os lados.  A turma da biologia vai dizer que ela não passa de um processo muscular...