04/09/2018

MEMÓRIA





Há quem defenda que, nessa "Era Digital", há muito conteúdo pra gente lidar no dia a dia. "Muita informação", reclamam. 

É por isso que inventam de tudo pra economizar espaço no nosso HD natural - o  cérebro. Uma massa cinzenta ocupada demais pra ficar sendo usada "à toa". 

Faz tempo que a gente não precisa mais, por exemplo, memorizar os telefones dos outros. Eu, pessoalmente, só tenho de cabeça os números dos fixos da minha casa e o dos meus sogros, além dos celulares da minha esposa e o da minha irmã, que não mudam de linha há décadas. O meu também, inclusive. 

O resto é na agenda mesmo.

Quem, a rigor, memoriza e-mail? Tá tudo lá, bicho, armazenado na caixa do correio eletrônico - que até preenche o endereço sozinho. O mesmo acontece se você precisar buscar aquele site interessante - que você não guardou o nome - visitado recentemente. Relaxa: tá tudo lá no histórico da máquina. O computador também lembra por você de todos os compromissos e reuniões chatas da semana. E se alguma for fora da firma, quem precisa lembrar de como chegar? Já inventaram o GPS, cara. É.

A gente acostuma. 

Eu começo a grilar é quando percebo uns exageros. Na Inglaterra, por exemplo: jovens estão reclamando dos relógios tradicionais. Dizem que se atrapalham tentando lembrar como é esse negócio de ponteiro grande e ponteiro pequeno. Segundo o The Telegraph, essa dificuldade estressa as crianças, acostumadas a displays analógicos nos tablets, celulares etc. Na Inglaterra, bicho! País onde um dos símbolos nacionais é um puta relógio analógico numa torre. 

- Na verdade, o Big Ben é o sino que tem lá dentro! - ok, mas esse ninguém vê de fora.

Enfim! 

Ah... essa do Big Ben eu aprendi na escola. Nunca esqueci, porque parecia um absurdo tão grande. Eu retive isso, como retenho um monte de besteirinhas da minha infância - como programas de TV, comerciais de rádio, os textos do Lobato e do Veríssimo, as brincadeiras da hora do recreio nos colégios onde estudei há mais de 30 anos. 

Lembro até de coisas que aprendi pra Primeira Comunhão, que eu nem uso. Não me lembro do que almocei ontem, mas essas coisinhas eu acho que vou guardar pra sempre.
 
Me faz pensar se esse hábito - recente, mal tem duas décadas - de recorrer constantemente a equipamentos para nos lembrar das coisas não está nos deixando é preguiçosos. Eu sei que a idade faz a gente perder a memória recente, mas as crianças estão começando a reclamar de relógios analógicos! É sério que a gente tá precisando economizar esse espaço todo nas nossas mentes?

Teoria da conspiração.

A virtualidade brinca com essa tal da memória recente. O relevante de hoje não sobrevive por mais que um mês. Nem são relevantes de verdade. São modismos. O mundo conectado, ao que parece, precisa dessa relevância de personagens, atitudes, temas e polêmicas - nem que algo momentâneo - para se manter. Já que estamos juntos nessa, que pensemos como um. Retirem o contraditório da conversa e teremos pessoas extremamente manipuláveis.

Isso não parece ser bom. 

O que nos toca é para sempre. Um livro, uma canção, um poema, um filme. Uma pessoa. A gente não precisa guardar espaço pra eles - isso se cria sozinho.

Até que o Alzheimer nos separe.

por Bob LeMont


Um comentário:

  1. Guardo frases de filmes. Esqueço nomes. Números não sei. Esqueço até o apartamento onde moro. Talvez o barato da memória seja o esquecimento e como a gente vai preenchendo as falhas.

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