18/08/2021

O OUTRO LADO

 


Pessoal, cheguei!

Não me perguntem como foi a viagem. Dormi o tempo todo. Se o serviço de bordo foi bom, desconheço. Na verdade, não me lembro de ter subido em avião, navio algum. Sei que parti. De algum lugar pra algum lugar. No começo as coisas ficam muito, mas muito confusas. Pra vocês terem uma ideia, eu mal conseguia lembrar meu nome. Um cara lá apareceu aos berros, me chamando. Gritava: "oh Boninho! Oh Boninho! Aqui, rapaz!" Me senti diretor da Globo.

- Eu falei Bininho, pôrra!

Ah sim. Bininho. Desculpem. Eu me lembrava vagamente desse nome. Apelido, né? Mas esse rapaz parecia me conhecer muito bem. Foi a primeira pessoa que vi depois daquela luz fortíssima na minha cara. Caramba! Deve ter sido o trem que me trouxe. 

Ou seria um ônibus? Enfim! 

O cara foi o primeiro a me ver e correu pra me abraçar. Opa! Falei pra ir com calma e usar de certo jeito, porque tava com o corpo meio chumbado ainda. 

Como se eu tivesse passado os últimos meses enfurnado na cama, sabe?

- Puta que pariu! Esquece isso!
- Esquecer é comigo mesmo. Minha memória não tá legal mesmo não.
-Acredite: cê vai melhorar logo. Puta merda! Você vai lembrar de cada coisa!

É, o cara falava palavrão pra caramba. Mas me pareceu familiar. Muito.

Se me perguntarem onde eu estou, eu digo assim: é um lugar que não dá muito pra descrever, não. É qualquer lugar e é um monte de lugar que eu conheço. Eu sei que olho pra um lado e vejo os barrancos das Tabocas. Olho pro outro, vejo o Cristo Redentor lá ao fundo. Quando eu cheguei, parecia que tava tendo uma festa, algo assim. Tinha um monte de gente olhando, cochichando. Achei que eles tinham que ter mais cuidado. Parece que tem ou tinha uma gripe aí, que é muito perigosa. 

- Chama Covid. E não é gripezinha, não, viu? Mas aqui não tem nada disso não. Graças a Deus.

A moça que me corrigiu me deu o braço, enquanto aquele outro cara seguia abraçando pelo ombro. Ambos me conduziam no meio do que, de repente, já era uma quase multidão. Rostos que iam ficando cada vez mais familiares. Os de meus acompanhantes, inclusive. Era meio angustiante, mas a moça tentou me consolar.

- Calma. Tá confuso, né? Eu lembro quando eu cheguei. Estava igualzinho a você. Mas a cabeça melhora rápido.
- Você lembra, Lenita?
- O quê?
- Se você já cagou hoje!?

Implicavam muito um com o outro. Ao menos, os dois riam um da bobeira do outro. Parecia implicância antiga, coisa de irmão. Pessoal, mas eles me faziam, de certa forma, sentir em casa. Eu confesso que... estranhamente, é difícil explicar... mas eu tava com saudades, não sabia exatamente de quem. Mas iam surgindo nomes. Rostinhos. Giovanna. Diego. Luiza. 

- E tem também o Rafael, pôrra! São seus netos.
- Calma, não espera molhar o bico. E me respeita que eu sou mais velho que você, oh Burro!

Olha pessoal, me deu aquele estalo. Lembrei dele. Vocês acreditam? Aquele bigode, aquela boca suja. Pessoal, era o Wilson! Meu irmão mais novo. E a moça, sabe? Era a minha irmã mais nova, a Lenita. Caramba, não via esses dois havia tanto tempo. Fiquei até emocionado na hora. 

- Esse pessoal todo veio aqui te receber, Bininho.
- Puta merda. Você demorou demais, pôxa!

Fiquei meio tonto, olhando em volta. O cenário daquele reencontro realmente mudava. O tempo todo. Tinha hora que parecia que a gente estava no salão do Clube Leopoldina. Noutra hora, era o Cutubas! Eu piscava e, do nada, era como se estivéssemos todos na Rua do Catete. Ou na subida da Rua Santa Cristina. Ou na rua da Glória. Ou em JF. Ou em BH. 

Estávamos em toda parte e em bom lugar. 

A sensação era de paz, meus queridos. Me senti muito bem acolhido. E aquela pequena multidão, eu fui entendendo. Eram gente amiga, irmãos por afinidade, que fizeram questão de vir me receber. 

- Demorou, hein, Colibri?!

Era o Ciro Monteiro, tocando sua caixinha de fósforos, chamando pra tocar violão. E o Licinho tocando Tuba, vestido de Rei Momo. Com o Horácio, claro: um não anda sem o outro! Rostos, muitos rostos, ganhando contornos de saudades queridas. Num cantinho, eu juro que vi!, os Anjos do Céu ensaiavam uma vocalização e me chamavam pra acertar a harmonia. Fiz assim com a mão pra eles: já vou! Já vou! 

E vocês nem imaginam: havia um palco montado e era a Leopoldina Orquestra completa. Tocando lindamente, em minha! minha homenagem. Dá pra acreditar nisso?! E o crooner?! O sujeito era muito bom.

- É o Orlando Silva, pôrra!

Era mesmo. E o Wilson continuava o desbocado de sempre.

- De vez em quando o Orlando aparece pra cantar com eles, Bininho. Mas sempre disse que precisa de dois violões pra acompanha-lo.

Entendi nada. Já tinha um lá no palco, ué. E tocava pra caramba. 

- É o papai, Tio. O Bebem.

Não sei o que me fez chorar. O sorriso da Delizete, carinhosa e tão feliz de poder me abraçar quanto eu a ela novamente, ou se chorei por reencontrar meu mestre/cunhado, fazendo o que mais gostávamos. 

Mal podia esperar pra subir lá e acompanhá-lo. 

Música!!! Queridos, eu só pensava em como seria bom cantar novamente com eles. Todos eles. Com a Maria , o Zezé, o Peroba, a Doce, a Nina, o Belinho, o Palimércio, ao lado de seus pares eternos. Sim, eu me lembrei de tudo. 

E de todos. 

Inclusive de vocês, filhos queridos. Luciana e Robson. Mandem meu carinho especial ao Fagner. Digam pra Elo que já encontrei o Bahia e até tomamos uma cervejinha juntos. Nem sabia que ele tinha viajado também. Era o único da minha turma aqui com uma bandeira do Atlético.

E o que dizer pra minha doce Maria Dênis? Ela deve estar muito triste, não é? Por favor, cuidem dela. Falem que já encontrei com a Dona Filhinha aqui. Ela está ótima e manda beijos pra todos. Sua mãe vai adorar saber. 

Quanto a mim, estou muito bem agora. A programação da semana promete ser intensa, em minha homenagem. Podem ficar com inveja: amanhã tem show com Os Cariocas, Cartola e Nelson Gonçalves. Uhm!!! Parece que o Tom Jobim e o Vinícius vão dar uma canjinha - o Ciro me garantiu.  Gente! eu me lembro de cada acorde, cada posição no violão, todas todas as melodias! 

Minhas lembranças voltaram! E querem saber? não são mais lembranças. São outra coisa. E estão por toda parte. É como se elas, minha família -aqui e aí - e eu, fôssemos um só. Enfim, TODOS juntos. Pra quantas fotos quisermos. Com todas as canções necessárias.

Para sempre! 

Com amor

Albino 

 

Ps: acho que vou escrever mais um livro. Tô me lembrando de tanta coisa! Alguém conhece um bom psicografador? Deixa. Eu me viro.

9 comentários:

  1. Pareceu tão possível, que trouxe conforto

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  2. Em prantos!Totalmente invadida por uma emoção, que não sei o nome.Que lindo! Que comovente! Esse, de verdade é de fato o meu amado e saudoso tio Bininho.Obrigada Robson! Sensacional! Bjs

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  3. Muito bom Robson, parabéns pela linda criação.
    Nosso querido Albino e na carona todos os outros, serão eternos merecedores da homenagem.

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  4. Li na voz do vovô, é exatamente como se ele tivesse falado tudo isso mesmo

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  5. Não sei como é de fato o lado de lá, se é que tem esse lado de lá, mas é bom imaginar que seja assim. Muito bom Robson.

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  6. Simplesmente fantastica essa crônica. Me emocionei, vislumbrei o Tio Wilsom, e todos os outros....
    Parabéns Robson Leite.

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  7. Li por três vezes esse texto e confesso nessa última vez cheguei as lágrimas,obrigado Robson por nos proporcionar essas lem
    branças!

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