27/03/2018

ROMÂNTICO





- Bob?

Chamava a mãe, do outro lado da porta. Na parte trancada à chave, duas voltas, estava Bob. Em silêncio total, cortinas fechadas, deitado na cama, rosto afundado no travesseiro.

- Bob, meu filho. Abre essa porta! – exige a matriarca. O tom - de reconfortante a impaciente - iria mudando, na medida em que não fazia efeito. Começou exigente, passou a delicado pedido, até que terminou com a mulher quase implorando.

E o Bob nada.

- Ela não merece, Bob. Você tem uma vida inteira pela frente, tantos amores. E fica aí, perdendo seu fim de semana inteiro.

De fato. Permaneceu trancado no sábado e no domingo. Não saiu para banho, nem refeição que fosse. Claro, havia sempre um saco de biscoito de polvilho escondido no armário. Para emergências e porque tinha preguiça de ir à cozinha de madrugada. A mãe sabia disso, claro. Ela o conhecia melhor que ninguém. Melhor que ele mesmo.

- Por favor, meu filho! Vem ao menos lanchar. Biscoito de polvilho não dá sangue a ninguém.

Bob pensou que talvez já tivesse chorado tempo bastante. Ouviu “Choro Bandido”, do Chico Buarque e do Edu Lobo, umas 150 vezes. Era a música que ele considerava tema para o romance que vivia. 150 vezes. Mais alguns minutos exposto ao laser, o CD iria ser cortado ao meio. Era das antigas, curtia tecnologias e outras coisas ultrapassadas. Como o amor incondicional. Não conseguia parar de ouvir, simplesmente. Chico dizia: “Mesmo que os cantores sejam falsos como eu/Serão bonitas, não importa/São bonitas as canções/Mesmo sendo falsos os poetas/Os seus versos serão bons”

E Bob entendia cada palavra como uma facada em seu peito. Não adiantava ser gentil com ela, se mostrar disponível e nem... fazer poesia. Rá. Esse é o ponto. Algumas mulheres são, simplesmente, imunes a poemas. E ele era mestre em encontrá-las. Seus versos nunca fizeram sucesso com nenhuma.

- “Mesmo porque/Estou falando grego/Com sua imaginação”

Bob apenas acenava que sim com a cabeça.

- Não aguento mais ouvir esse maldito Chico Buarque! – resiste a mãe, testa apoiada na porta - Pelo menos muda o disco!

Considerou essa possibilidade. Por alguns segundos, após os últimos acordes. O player estava programado para loopar a faixa.

- Meu filho. Ninguém vale esse martírio todo. Vocês nem namoraram.

Tecnicamente, não. Oficialmente, o apaixonado era ele. Mas tanta dedicação, tantas horas de sobrevoo em torno dela. Ora. Isto não é um compromisso? Ou quase. Ao menos de um. Não dava o direito a ela de preferir a companhia de outro. Até onde Bob sabia, um não-poeta convicto, que só pensava em brincar com ela.

- Bob. Eu tenho certeza que amanhã vocês vão se encontrar e tudo vai ficar bem. Ela gosta de você. Mas não tá ainda querendo namorar sério, meu filho!

Bob respirou fundo. Coçou a nádega direita sob o pijama surrado. Levantou da cama. Foi até o equipamento de som e apertou a tecla stop, acionando um sorriso instantâneo no rosto da mãe. Mexeu em alguns papéis que estavam na escrivaninha. Fez uma careta. Eram os textos que escreveu a mão naqueles dois dias de confinamento. Juntou tudo e jogou fora. Não havia nada que valesse a pena guardar. Talvez nem ela merecesse ter seu nome guardado em qualquer parte que fosse da memória.

A porta do quarto abriu às 17h45.

- O jogo tá acabando – disse a mãe, após um longo beijo na testa, com direito a abraço - Vai que seu pai tá na sala. Tá lá. Desmaiado, de tanta cerveja o dia todo. Tem pão e presunto na geladeira. Deixa eu arrumar esta bagunça.

Bob tentou sair de mansinho. Mas foi seguro pelos ombros e advertido, mais uma vez.

- Não ouse! Entendeu bem? Não ouse! Não seja um fraco como seu pai. Não deixe nenhuma mulher tomar conta da sua vida, Bob. Não faça isso com você.

Bob fez que sim com a cabeça, mais para que a mãe tomasse seu rumo, quarto murrinhento adentro. Respirou fundo novamente e foi até a sala. O pai babava na poltrona encardida, sem dar atenção ao clássico do fim de semana na TV. Bob estava sem energia para nada, mas conferiu o placar. O time dele estava vencendo, e bem.

- Sorte no jogo, azar... - pensou, sem completar. Iria lanchar e depois cumprir com as obrigações. O "paracasa" de história estava atrasado. Tinha ainda que pintar o Tocantins no mapa com giz de cera, pra aula de Geografia.

- Odeio a segunda série.. – lamentou, do alto de seus sete anos de idade e da cadeira, tentando apanhar os ingredientes para o sanduba.


por Bob LeMont

Um comentário:

LINGUA

A língua, esse pedaço de carne cercado de gente por todos os lados.  A turma da biologia vai dizer que ela não passa de um processo muscular...